terça-feira, 24 de julho de 2007

Como...

o blog recomeçou, vou fazer um post por semana, no máximo dois.
Como eu já havia dito, algumas estórias do Cerimônia do Adeus serão transcritas aqui, mas com algumas modificações.
Espero que para melhor.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Sono...


Quarenta e três anos, mulher, câncer avançado do intestino grosso. Bonita, depois de tantos tratamentos fracassados. Pais idosos, dois filhos jovens, um ex-marido, um namorado. E um medo grande da morte, o que não a deixava dormir. Todas as medicações possíveis foram usadas para ajudá-la, mas nada funcionava. Talvez dormir fosse morrer um pouco. Será que ela pensava isso? Certamente...
Ficou triste quando um paciente idoso partiu. E, a partir daí começou a pensar mais na sua viagem. Dizia que não podia morrer neste momento, que ainda tinha muitas coisas para fazer.
Foi deitar na véspera daquele dia, apesar de saber que não pegaria no sono, que brigaria novamente com a medicação, mesmo que sem querer. Seu pai era seu cuidador e seguia o pacto do silêncio.
No dia seguinte ele me diz que ela finalmente dormiu, por volta das 5 da manhã.
- Estava muito cansada, doutora. Fazia noites que não pregava os olhos. Agora ela está dormindo como uma pedra, disse-me ele com olhinhos esperançosos.
- Mas ela vai acordar, não vai?
Fomos vê-la. Sem motivo algum, ela havia desligado o botão. Estava tranqüila, com seus sinais vitais normais, parecia dormir. Entrou em coma e morreu no final daquele dia. Como se estivesse dormindo. Tranqüilamente.
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(imagem: Wladimir Kush)

domingo, 22 de julho de 2007

Fênix...

(foto: Viviane Coppola)

Seis e meia, sexta-feira.
Toca o despertador e a gata me olha, boceja e volta a se encolher. Fico mais meia-hora.na cama. E perco a hora.
Banho rápido, correria, faço o café e esqueço a cafeteira ligada, sem tomar o café.
Logo na porta de casa já percebo que o trânsito está infernal. Chego atrasada, desisto de parar para tomar aquele café que deixei de tomar em casa. Subo imediatamente ao nono andar do hospital, encontro meu paciente bem.
- Quero comer, sussurra ele, que não tem mais voz para falar.
Mando o coitado para casa. Já era tempo...
Saio correndo escadas abaixo, até o estacionamento e penso que quando chegar na casa de cuidados paliativos poderei tomar aquele café. Ilusão minha.
Temos novos pacientes, tenho de fazer a história deles, rever medicações, conversar com familiares. E um paciente, o mais antigo da casa, que entrou em processo de morte. Acolho sua esposa, conversamos um pouco e ela se mostra resignada.
- Doutora, eu entreguei nas mãos de deus, porque agora sei que não tem mais jeito, ela me diz chorosa.
Não sei, penso comigo. Ele mais parece uma Fênix, tudo é possível, inclusive estar de pé amanhã.
Subo para examinar os outros pacientes. Um deles, subitamente, deixou de fumar, está confuso, mas completamente sem dor. E com um apetite voraz e inexplicável. Abre seus grandes olhos azuis, me olha, sorri e fala palavras desconexas.
- Mas, parou de fumar, como assim?
- Não sei, doutora, de repente disse que não tinha mais vontade. Fumou o último ontem.
Mau sinal, penso eu.