domingo, 3 de fevereiro de 2008

Every breath you take...


Mulher jovem, da minha idade, com câncer avançado e incurável de mama. Ela sabe, mas não entende. Ou não aceita. Ora na fase de revolta, ora na fase de barganha.

Passou um período agredindo a todos. Eu precisava falar com ela, mas estava esgotada, sem energia.

-Melhor não conversar com ela, doutora. Você não está bem e pode ficar pior.

-Ela também pode ficar pior, caso ninguém fale com ela, respondi ao enfermeiro preocupado comigo

Respiro fundo e subo. Puxo a cadeira, mais baixa que sua cama, e me sento. Ela não poderia desviar o olhar, pois nossos olhos estavam no mesmo nível.

Falamos sobre tudo: religião, espiritualidade, casamento desfeito, filhos, amores novos, amores velhos, sofrimentos, dores. Daí veio a pergunta, subitamente, porém já esperada por mim:
-Vou melhorar deste tumor, doutora?

-Não vai, respondi olhando nos seus olhos.

-Posso morrer assim?

-Pode, sim.

-Mas de Deus quiser pode ser diferente, não pode?

-Sim, pode. Pode ser sem dor, sem mal estar, sem sofrimento. nem para você, nem para os que ama. É só continuarmos a cuidar de você como estamos fazendo. O que acha?

-Assim eu fico tranqüila. Posso ir em paz.

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Sinto que agora possuímos um link, e que a minha presença será importante quando ela entrar em processo de morte.

Depois da conversa que tivemos, ficamos em paz. Nós duas.

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(imagem: Marc Chagall. Não poderia ser outro para ilustrar este post)