segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Lições, idéias, fragmentos...


Lições a fazer, idéias para escrever no papel, os fragmentos que passam por minha cabeça, até dormindo...

Neste final de semana encontrei pessoas bacanas ligadas aos cuidados paliativos numa imersão sobre o tema. Foi ótimo e deu para sacar que muitos continuam equivocados, mas outros abraçaram a causa.

Ou seja, cuidados paliativos, no Brasil, é assunto irreversível.

Bom para nós, paliativistas de cérebro e coração, e para os pacientes que iremos atender. O tempo nos dirá...


(imagem de Eve Arnold, de 1959; ela foi a primeira mulher a entrar para a agência Magnum)

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Cansaço...

(Salvador Dalí)


Olhos fechados. Não dorme, descansa. Respira bem, o coração está descompassado, a barriga enorme...

À noite se agita. Medo? Provavelmente. Ele não dorme de jeito nenhum, como se estivesse esperando por ela. E certamente está. Ela pode chegar a qualquer momento. Para ele ou para nós. Quem saberá dizer?

sábado, 10 de novembro de 2007

Fragmentos...

Não tinha dor. Sempre deitado, pois não lhe restavam forças sequer para sentar. Sempre tranqüilo, sorrindo para todos. Principalmente para mim. Fiz seu diagnóstio, infelizmente já em fase avançada. Desobstrui suas vias respiratórias, abrindo sua traquéia e introduzindo uma cânula para que não faltasse o ar e morresse sufocado.
Ontem começou a tossir. Muita secreção pulmonar. Seu estômago parou de funcionar e o suco gástrico começou a voltar. Tive de suspender sua alimentação pela sonda.
- Seu corpo não necessita mais de alimento, expliquei para sua aflita, mas conformada esposa. Pareceu-em que ela entendeu, muito embora alimentar um doente signifique para seu familiar o mesmo que dar amor.
Enfim...
Ele me olhou. Vi que agonizava, que não suportava mais nem respirar. Entendi aquele olhar como uma súplica. demos para ele medicamento para relaxar.
Passou a noite com sua esposa e filho. Partiu hoje cedo. Foi fazer ternos em algum lugar, não sei em qual andar. Acho que foi para o de cima. Ele era alfaiate...

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

De repente...

um cansaço.
Acho que é um pouco de tristeza aguda.
Logo passa...

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Pelicano...

( Cartier-Bresson)

Tivemos um paciente muito alto, muito magro e com profundos olhos de um azul desbotado. Além disso, ele usava óculos de fundo de garrafa, o que fazia com que seus olhos ficassem ainda mais em evidência.
Ele esteve internado uma primeira vez, quando ainda estava forte e se alimentava bem, mas sabíamos que seu tumor crescia silenciosamente. Ele também sabia disto.
Bem, retornou para lá, já bastante emagrecido, com muitas dores por conta das inúmeras metástases e nós conseguimos controlar sua dor. Ele até chegou a ir para sua casa ver seu cão, um bichinho tão pequenino, de nome Negão. Foi se depedir...
Quando já estava debilitado, sem forças para sequer sentar-se, ficava deitado com a cabeceira da cama elevada e adormecia. Parece que sonhava...Sua esposa colocava travesseiros muito altos e eu perguntei se não seria melhor ela retirar um deles, que talvez ele ficasse mais confortável.
-Não, doutoura. O meu pelicano pode quebrar o pescoço. Espia só!
E retirou um dos travesseiros, com ele dormindo. Ele ficou com o pescoço duro e a cabeça inclinada para a frente, fazendo um movimento de vai e vem com a cabeça, para a frente e para trás. Achei engraçado! E ela me disse:
-Não parece mesmo um pelicano, doutora?

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

terça-feira, 24 de julho de 2007

Como...

o blog recomeçou, vou fazer um post por semana, no máximo dois.
Como eu já havia dito, algumas estórias do Cerimônia do Adeus serão transcritas aqui, mas com algumas modificações.
Espero que para melhor.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Sono...


Quarenta e três anos, mulher, câncer avançado do intestino grosso. Bonita, depois de tantos tratamentos fracassados. Pais idosos, dois filhos jovens, um ex-marido, um namorado. E um medo grande da morte, o que não a deixava dormir. Todas as medicações possíveis foram usadas para ajudá-la, mas nada funcionava. Talvez dormir fosse morrer um pouco. Será que ela pensava isso? Certamente...
Ficou triste quando um paciente idoso partiu. E, a partir daí começou a pensar mais na sua viagem. Dizia que não podia morrer neste momento, que ainda tinha muitas coisas para fazer.
Foi deitar na véspera daquele dia, apesar de saber que não pegaria no sono, que brigaria novamente com a medicação, mesmo que sem querer. Seu pai era seu cuidador e seguia o pacto do silêncio.
No dia seguinte ele me diz que ela finalmente dormiu, por volta das 5 da manhã.
- Estava muito cansada, doutora. Fazia noites que não pregava os olhos. Agora ela está dormindo como uma pedra, disse-me ele com olhinhos esperançosos.
- Mas ela vai acordar, não vai?
Fomos vê-la. Sem motivo algum, ela havia desligado o botão. Estava tranqüila, com seus sinais vitais normais, parecia dormir. Entrou em coma e morreu no final daquele dia. Como se estivesse dormindo. Tranqüilamente.
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(imagem: Wladimir Kush)

domingo, 22 de julho de 2007

Fênix...

(foto: Viviane Coppola)

Seis e meia, sexta-feira.
Toca o despertador e a gata me olha, boceja e volta a se encolher. Fico mais meia-hora.na cama. E perco a hora.
Banho rápido, correria, faço o café e esqueço a cafeteira ligada, sem tomar o café.
Logo na porta de casa já percebo que o trânsito está infernal. Chego atrasada, desisto de parar para tomar aquele café que deixei de tomar em casa. Subo imediatamente ao nono andar do hospital, encontro meu paciente bem.
- Quero comer, sussurra ele, que não tem mais voz para falar.
Mando o coitado para casa. Já era tempo...
Saio correndo escadas abaixo, até o estacionamento e penso que quando chegar na casa de cuidados paliativos poderei tomar aquele café. Ilusão minha.
Temos novos pacientes, tenho de fazer a história deles, rever medicações, conversar com familiares. E um paciente, o mais antigo da casa, que entrou em processo de morte. Acolho sua esposa, conversamos um pouco e ela se mostra resignada.
- Doutora, eu entreguei nas mãos de deus, porque agora sei que não tem mais jeito, ela me diz chorosa.
Não sei, penso comigo. Ele mais parece uma Fênix, tudo é possível, inclusive estar de pé amanhã.
Subo para examinar os outros pacientes. Um deles, subitamente, deixou de fumar, está confuso, mas completamente sem dor. E com um apetite voraz e inexplicável. Abre seus grandes olhos azuis, me olha, sorri e fala palavras desconexas.
- Mas, parou de fumar, como assim?
- Não sei, doutora, de repente disse que não tinha mais vontade. Fumou o último ontem.
Mau sinal, penso eu.

sábado, 21 de julho de 2007

Como tudo começou...


(imagem: Van Gogh)


Acho que nunca contei.
Fiz, há mais dois anos, um curso de especialização em Geriatria, pois a grande maioria dos meus pacientes na Cirurgia de Cabeça e Pescoço são idosos.
Um dia assisti uma aula sobre o hospice que nosso hospital mantém desde 2004. E, depois da aula, parei para parabenizar a coordenadora e idealizadora do projeto, que era uma das oncologistas do nosso hospital. Disse-lhe que fiquei maravilhada e que gostaria de fazer algo em Cuidados Paliativos.

Dois meses depois, recebo um telefonema dela, no meu ambulatório de Cabeça e Pescoço. Qual não é a minha surpresa, quando ela me convida para participar do projeto.
- Mas eu nada sei sobre Cuidados Paliativos? E, será que não vou ficar deprimida?
- Fica não, ela me disse sorrindo. Lá a gente conversa muito, é uma espécie de terapia. Você verá.

Fiquei angustiada, pois não conseguiria abandonar totalmente a Clínica de Cabeça e Pescoço, tampouco meus pacientes.
Um mês depois ela me liga e me cnvida para conhecer 'a casa.'
Vou com ela, tímida, quase não falo. Mas, ao adentrar naquele lugar, senti algo diferente. E soube, naquele exato momento, que minha vida mudaria. E que era aquilo que queria fazer daquele momento em diante.

Mas, como? Nada sabia sobre o tema. Então o jeito foi estudar.

Comecei lendo um livro, que é uma tese de doutorado de uma psiquiatra carioca, Rachel Aisengart de Menezes, que achei por acaso na Internet. Tive o prazer de conhecê-la pessoalmente no início de 2006.

Depois de ler Em busca da boa morte, de Rachel Aisengart de Menezes, comecei minha busca sobre Cicely Saunders, grande nome no tema e também sobre Elisabeth Kübler-Ross, grande tanatologista americana. Infelizmente consegui somente um livro de dame Cicely, mas todos de Kübler-Ross. Pois é, tive a sorte de ler toda a obra dela, entre edições nacionais e francesas, pois nem tudo dela está publicado em nosso pais.

Tive também a sorte de ler Marie de Hennezel, A morte intima, onde ela narra sua experiência em uma enfermaria de Cuidados paliativos em Paris. Consegui todos os livros dela, em francês. Nem preciso dizer que fiquei amiga do pessoal da Livraria Francesa, do centro de São Paulo.

Mas, meu grand debut foi no dia 25 de dezembro de 2005, quando fui constatar meu primeiro óbito la na casa. Todos se encontravam de férias. Foi um choque para mim, completamente perdida, não sabia como acolher a família, mas tentei. Acho que fui meio intuitiva. Senti-me desamparada, mas vi que aquilo era uma prova de fogo pela qual eu deveria passar.

E estou lá até hoje.

No momento estou me especializando, fazendo já o Curso Avançado de Cuidados Paliativos, ministrado por grupo argentino, ligado a Oxford.

E vou muito bem, obrigada!

Sem depressão, sem burn out.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Para recomeçar...

Havia o outro blog, o Cerimônia do Adeus.
Mas o nome incomodava a todos.
Tinha acabado de ler Simone de Beauvoir, Une mort très douce, onde ela fala sobre a doença e morte de sua mãe. E havia também o outro livro, La cérémonie des adieux, onde ela entrevistava Sartre (agosto a setembro de 1974). Achei mais apropriado adotar este nome.
Também me inspirei em uma paciente que tivemos, que me chamava de Dra. Simone, o que não era uma coisa incomum, pois muitos pacientes me chamam assim. Talvez eu tenha cara de Simone mesmo...
Mas eu confesso que o nome do blog passou a me incomodar também. Daí eu sumi de lá, não conseguia mais escrever post algum.
Então, dito isto, achei melhor recomeçar.
Porque as estórias continuam a fervilhar na minha cabeça, na minha vida. E preciso compartilhar com alguém. Mesmo que seja com a tela do notebook.

Bem, estive do lado de lá, ou seja, do lado dos meus pacientes. Fui operada recentemente - uma correção de doença do refluxo gastro-esofágico - e me senti exatamente como alguns deles, que não conseguem se alimentar. A depressão, o desespero, o desamparo que eles sentem. Senti também. Agora estou voltando à vida normal, mas toda esta experiência foi muito gratificante.

O novo nome do blog é Gnossiennes, inspirado em Satie.

Trois Gymnopédies (1888) e Trois Gnossiennes (1890) são minhas obras prediletas de Erik Satie. Ele se dizia o inventor da música ambiental, a musique d'ameublement, a música sendo usada como mobília para preencher o ambiente. Segundo ele, era uma música que fizesse parte dos ruídos naturais e os levasse em conta, sem se impor, que tomasse conta dos estranhos silêncios que ocasionalmente caíam sobre os convidados, e que neutralizasse os ruídos da rua. Mas sua música não funcionava porque as pessoas insistiam em ficar quietas prestando atenção à sua performance. Daí ele gritou nervoso: "Falem alguma coisa! Mexam-se! Não fiquem aí parados só escutando!". Na época sua idéia pareceu uma piada.

Algumas estórias do Cerimônia do Adeus serão transcritas aqui, porque eu não posso me esquecer daquelas pessoas. E o blog continua sendo para contar estórias da minha experiência como médica paliativista.

Allons-y!