terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Não sei...


ando muito emotiva. Talvez por tal motivo não tenho conseguido escrever aqui. Mas no sábado perdi dois pacientes em fase terminal e não fiquei muito bem. O trabalho foi bacana, a família foi bem acolhida por toda a equipe, mas não sei...
Ontem passei minha última visita numa senhora de 97 anos que a família resolveu levar para um asilo japonês. Ela chorava muito, não queria ir. Segurou minha mão, fez uma reverência e me agradeceu, chorando. saí do quarto dela aos prantos.
Não sei....talvez seja por causa da proximidade do final de ano. Sempre fico mais emotiva.
Não sei...
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(imagem: Vicente Santander)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Daí....


que eles não eram casados no papel, mas era o grande sonho dela.
Ele era o paciente, tinha um câncer avançado que deformava a sua face e o seu pescoço.
Daí surgiu a pergunta: - Vocês não gostariam de se casar? Poderíamos pedir ao juiz para pular alguma etapa, como os proclamas. Casariam-se no civil e religioso, pois era católicos.
Empolgação geral. Ela ficou iluminada, ele sorria acanhado.
O juiz atendeu ao nosso pedido e aceitou realizar a cerimônia sem os proclamas, pois ele estava com sua doença muito avançada e talvez não houvesse tempo.
Cabelo arrumado, foi uma correria para arranjar um vestido para ela. Não tinha nenhum. Compraram um azul e ela ficou toda feliz.
Casaram-se no civil. Ela exibia a certidão para todo mundo dizendo que agora sim era uma mulher casada.
Uma semana depois foi realizada a cerimônia religiosa. O padre foi até lá, teve bolo branco, com direito a bonequinhos de noivos e tudo o mais. Eles choraram, ela de branco, ele de terno improvisado e gravata. Ganharam as alianças dos colegas de trabalho dele. Brinde cruzando as taças. Todos felizes, tudo perfeito.
Uma semana depois ele foi dormir e não acordou mais. Não sofreu, não sangrou, não agonizou. Apenas dormiu. Para sempre.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Pausa...


Falta de histórias? Não, não foi mesmo. Foi pura falta de tempo para escrever qualquer linha. E, para minha decepção, quando finalmente venho tirar a poeira e tentar um retorno mais inspirado, leio um comentário de alguém se dizendo deprimido após ler o que eu escrevi.
Sinto, mesmo.
Muitas histórias se passaram, muitas pessoas já partiram, outras ainda partirão, com ou sem minha pesença. Et alors....eu retorno ao espaço.

Pausa...

quarta-feira, 6 de agosto de 2008


Ele era magro mesmo antes de adoecer. Magro e deprimido.
Foi meu paciente de ambulatório, operei seu primeiro câncer.
Quatro filhos, três deles eram mulheres e que não se entendiam. Pai que nunca havia beijado os filhos.
Mau marido, eram separados. Ele morava no mesmo terreno que ela, mas não coabitavam a mesma casa, cada um tinha a sua.
Entrou lá porque a família, mesmo tão zelosa com ele, não suportava mais os cuidados com ele, que estava chagando ao final da vida e com uma doença malígna. É, algumas doenças malígnas cheiram mal.
Cuidamos dele, do odor do seu tumor, da sua dor. E cuidamos da dor de seus filhos e de sua ex mulher também.
Eu sabia que ele morreria no meu plantão. E assim aconteceu.
Ficamos juntos do começo ao fim...

domingo, 13 de abril de 2008

Ele era...


...um senhor de 85 anos, magrinho, pálido por conta do câncer gástrico que lhe causava uma anemia crônica. Parecia o mestre Yoda, do Stars Wars. Sempre quieto, poucas vezes conversava com os outros pacientes.
Mas havia um deles que ele não suportava. Um outro idoso, este sim falava pelos cotovelos, e que era o queridinho de todos.
Mas, mestre Yoda tornou-se queridinho também. Todo final de semana ia para casa. Na sexta, logo cedo, já estava arrumadinho. Sempre combinando o sapato com a camisa e não permitia que qualquer pessoa o ajudasse a calçá-lo.
Depois, ficava impaciente com sua cuidadora, querendo saber a cada cinco minutos, se seu filho já estava chegando.
Eu passei muitas sextas-feiras com eles dois, mais as cuidadoras. Gostava de conversar com eles e até de apartar a briga que de vez em quando saía.
Numa segunda-feira ensolarada, mestre Yoda chegou da casa de seu filho. Sempre ficava triste às segundas-feiras, porque tinha saudade de sua casa. E também de uma mulher que amava, mas que sequer sabia que ele estava doente. O filho não deixou que isto acontecesse. Bem que tentamos interceder, porém não deu tempo.
Mestre Yoda sentou-se na varanda, debaixo de um sol quentinho e de um céu azul de brigadeiro, defronte a bela amoreira que tem no jardim da frente da casa.
- Que sol gostoso!
Foram suas últimas palavras. A cuidadora desceu para pegar alguma coisa, mas ao retornar ele estava com a cabeça caída de lado. Parecia dormir.
Ela achou que estava muito quieto, mas ele havia partido. Como um passarinho.
Que a força esteja com ele!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Every breath you take...


Mulher jovem, da minha idade, com câncer avançado e incurável de mama. Ela sabe, mas não entende. Ou não aceita. Ora na fase de revolta, ora na fase de barganha.

Passou um período agredindo a todos. Eu precisava falar com ela, mas estava esgotada, sem energia.

-Melhor não conversar com ela, doutora. Você não está bem e pode ficar pior.

-Ela também pode ficar pior, caso ninguém fale com ela, respondi ao enfermeiro preocupado comigo

Respiro fundo e subo. Puxo a cadeira, mais baixa que sua cama, e me sento. Ela não poderia desviar o olhar, pois nossos olhos estavam no mesmo nível.

Falamos sobre tudo: religião, espiritualidade, casamento desfeito, filhos, amores novos, amores velhos, sofrimentos, dores. Daí veio a pergunta, subitamente, porém já esperada por mim:
-Vou melhorar deste tumor, doutora?

-Não vai, respondi olhando nos seus olhos.

-Posso morrer assim?

-Pode, sim.

-Mas de Deus quiser pode ser diferente, não pode?

-Sim, pode. Pode ser sem dor, sem mal estar, sem sofrimento. nem para você, nem para os que ama. É só continuarmos a cuidar de você como estamos fazendo. O que acha?

-Assim eu fico tranqüila. Posso ir em paz.

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Sinto que agora possuímos um link, e que a minha presença será importante quando ela entrar em processo de morte.

Depois da conversa que tivemos, ficamos em paz. Nós duas.

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(imagem: Marc Chagall. Não poderia ser outro para ilustrar este post)


segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

De volta...


Precisei renovar minha senha. Havia tempos que não postava por aqui.

Agora fico somente por aqui.

O Et alors estava às moscas e sem motivos para existir.