domingo, 28 de novembro de 2010

Sobre a minha doença...

Estou participando da oficina literária da Claudia Letti. Uma das aulas chama-se Limpeza da Chaminé. Escrevi sobre a doença que tive. Vou colar aqui para quem quiser saber...

LIMPEZA DE CHAMINÉ DA MONICA

Comecei a limpar a minha chaminé no início de dezembro do ano passado quando descobri que estava com câncer de mama. Mais exatamente quando o médico que me examinou inicialmente disse que a lesão que eu tinha “era preocupante”.

Lembro-me que o consultório ficava no meio do quarteirão, algumas ruas acima do hospital onde eu trabalho. Havia deixado meu carro estacionado lá e subi andando até a clínica dele.

Saí do prédio com várias solicitações de exames na mão e fui caminhando até o ponto de taxi da esquina, chorando, assustada. Foi a única vez que chorei. E foi quando eu descobri uma força que eu jamais imaginei possuir. O susto tinha ido embora. E fui planejando os meus passos a partir daquele momento. Precisei de um papel para escrever, óbvio, uma lista. Primeira coisa que escrevi: não vou sofrer.

Cheguei ao laboratório, onde fiz mamografia, ultrassonografia de mamas e, por fim, biópsia da lesão, acompanhada da minha irmã, para quem eu havia telefonado e que já sabia que eu suspeitava estar com câncer. Segunda coisa que escrevi na minha lista: não quero que as pessoas, principalmente minha família, sofram, mas preciso dividir com elas este momento.

Era uma sexta-feira.

Passei um final de semana angustiante, aguardando o resultado da biópsia e tentando localizar a mastologista que me acompanhava antes. Havia quatro anos que eu não voltava nela. Um verdadeiro absurdo, ainda mais sendo eu uma médica que faz uma especialidade oncológica – cirurgia de cabeça e pescoço. Liguei para alguns amigos para contar o que acontecia, inclusive colegas de trabalho e pessoas que contavam comigo para procedimentos durante a semana seguinte. Surpresa! Aquelas que eu imaginava que nem se importariam muito ficaram extremamente preocupadas comigo e me acompanharam durante todo o meu processo de tratamento. Outras, de quem eu esperava suporte emocional e acolhimento, sumiram. Nova descoberta: nem todos agem como você agiria, nem todos suportam conviver com pessoas próximas doentes. Mas era impossível aceitar aquilo naquele momento. Terceira coisa que escrevi na minha lista: não espere que as pessoas pensem e ajam como você.

Laudo histológico pronto, fui encaminhada para a oncologista. Procurei uma colega que eu já conhecia o trabalho. Sério. Ela é muito séria também, mas acolhedora e carinhosa.

Comecei a fazer quimioterapia neo-adjuvante no dia 30 de dezembro, com a intenção de diminuir o tamanho do tumor, embora o tipo histológico dele não respondesse bem às drogas. Minha mãe e minha irmã ficaram comigo na minha primeira sessão. Seriam quatro, com um intervalo de três semanas entre elas. Quarta coisa que escrevi na minha lista: preciso ter paciência, porque agora eu era a paciente. E me descobri uma paciente com bastante paciência e uma confiança inexplicável.

Sofri poucos efeitos das drogas, fora a queda total dos cabelos, que era uma coisa que não me preocupava, pois era inevitável. Mal estar geral, náuseas, dores no corpo e apenas um episódio de vômitos durante esta primeira parte do tratamento. Sinceramente, saí em vantagem.

O tumor, para surpresa geral, havia diminuído muito seu tamanho, aproximadamente 80%. E daí escrevi a quinta coisa na minha lista: nem tudo pode ser explicado pela ciência.

Operação feita, pós-operatório bem sucedido, muitas pessoas queridas me visitaram no hospital e eu fiquei em total euforia. Não sei até hoje se foi efeito do opioide que eu tomei, ou se foi mesmo por felicidade de não dormir mais acompanhada daquele tumor.

Um mês depois comecei a quimioterapia adjuvante, que faz parte do protocolo de tratamento do câncer de mama. Tive uma reação alérgica importante e achei que fosse morrer naquele momento. Mudança de planos, mudança de drogas, quimioterapia semanal por doze semanas. Foi o único momento que fiquei desolada. Mas passou logo, porque me lembrei da primeira coisa que havia escrito na minha lista.

Minhas veias aguentaram heroicamente a aplicação semanal de quimioterápico. E o meu humor continuava ótimo. A confiança inabalada.

Depois fui para a radioterapia, que eu chamava para meus pacientes de cabeça e pescoço de “mal necessário”. Um local cheio de pacientes com um astral muito bom, todos confiantes no tratamento que faziam. E uma equipe igualmente otimista. Correu tudo bem, com muita tranquilidade, pouca queimadura na pele, mas…. Peguei minha lista e escrevi: efeitos ruins da radioterapia na cicatrização – tenho que aceitar. Eles estão ocorrendo agora. Paciência.

Voltei ao trabalho de cuidados paliativos que fazia num hospital privado. Minha primeira paciente foi a mãe de uma enfermeira que estava morrendo de câncer de mama. Respirei fundo e fiz meu trabalho. Bem feito. Acompanhei a morte da paciente, assim como acolhi os filhos. Sexto item escrito na lista: tenho que continuar sendo profissional.

Foram dez meses de tratamento. Dez meses sem pegar num bisturi. Eu chamei de período sabático forçado. Mas foi uma limpeza de chaminé.

Exorcizei meus demônios, exercitei minha paciência, perdoei muitas pessoas que não me quiseram por perto quando eu mais precisava, entendi a dificuldade delas de não conseguir conviver com pessoas próximas doentes, perdoei a mim mesma. E escrevi inúmeras listas. Agora começo uma nova fase: cuidar de mim, com mais atenção, para poder cuidar dos outros.


Um comentário:

dade amorim disse...

Há tanto tempo não venho aqui - assim como a outros blogs que andei frequentando - que não tinha a menor ideia de como você estaria. Vejo que mesmo um incidente assim difícil de enfrentar não mudou seu jeito de ser. Agora tenho um motivo mais forte pra não te perder de vista. E estou torcendo por você, embora tenha chegado meio atrasada.

Beijo, melhoras sempre e muita força. Pessoas como você precisam mais do que um colete a prova de balas.